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Espelho MeuCristina Sánchez-Andrade"A Chanel era uma mulher muito controversa"Numa biografia polémica sobre Coco Chanel, a escritora espanhola revela as origens humildes da estilista e conta tudo sobre a sua vida solitária. Cristina tornou-se muito conhecida a nível mundial devido a este livro, mas garante que também ela ajudou a fazer publicidade à marca.O que a levou a contar num livro os pormenores mais insólitos da vida da estilista Coco Chanel?A verdade é que me apaixonei pela história dela desde o primeiro instante, pois era uma mulher controversa. Tem pormenores fabulosos, mas o que verdadeiramente me impressionou foi o facto de uma mulher tão bem sucedida e famosa como ela ter morrido sozinha, aos 88 anos, numa suite de luxo do Hotel Ritz. Sem família nem amigos...
Ela não tinha relação com a família?Era filha de um vendedor ambulante e de uma mulher que fazia o possível para arranjar comida para os filhos. Era muito nova quando o pai saiu de casa e, pouco depois, a mãe morreu. Nessa altura, teve de ir para um orfanato com os irmãos e foi lá que as freiras a ensinaram a costurar. Já na altura roubava os cortinados para fazer roupas extravagantes para a época. Sempre foi muito ambiciosa e não queria ficar no orfanato por muito tempo, por isso há um dia em que decide fugir e tentar a sorte em Paris. Lá, conhece as pessoas certas, abre uma loja de chapéus originais e rapidamente começa a dar que falar.
Quando se tornou uma pessoa bem sucedida nunca tentou entrar em contacto com os irmãos?Não, ela tinha dois irmãos, mas tudo o que queria era esconder as suas origens humildes. Então, da única vez que falou com um deles foi para lhe oferecer muito dinheiro para estar calado e não revelar nada sobre o seu passado. Sempre que lhe perguntavam sobre a família dizia que tinha sido criada por umas tias muito ricas.
Era uma pessoa que vivia do glamour?Sim. Ter êxito e viver naquele mundo de glamour era tudo para ela. Não descansava um segundo e, como não tinha família nem marido, refugiava-se no trabalho. Quando era jovem estava rodeada de muita gente, mas nunca sabia quem estava ao lado dela pelo seu dinheiro ou por amizade.
Quando é que ela começa realmente a ser famosa?A loja de chapéus que abriu foi um sucesso desde o primeiro dia. E depois contou sempre com a ajuda dos amantes, de gente da aristocracia e de amigos como o Pablo Picasso, que sempre lhe reconheceu muito talento.
Das pessoas que a ajudaram contam nomes famosos como o duque de Westminster, de quem foi amante. Por que é que nunca assumiram uma relação?Na altura em que eles tinham um "affair", o duque estava a ser muito pressionado para casar e ter descendência, mas acontece que como a Chanel não era de boas famílias nunca poderia casar com ela. Nesse ano circulavam umas listas com as suas possíveis noivas e, apesar de ele ter sido apaixonado pela Chanel, o nome dela nunca constou. Quando a imprensa lhe perguntava sobre o assunto, ela respondia sempre que duquesas de Westminster havia muitas, mas que Chanel só havia uma.
Nunca quis casar e ter filhos?É verdade, ela teve muitos homens, mas o seu grande amor foi o primeiro, um aristocrata inglês, que morreu num acidente automóvel. Foi um desgosto enorme para ela e acho que o único homem de quem ela realmente gostou. Também foi amante de Dimitri Romanov, que liderou a revolução russa, mas nunca se envolveu demasiado nem demonstrou vontade de ter filhos. Acho que só se lamentou disso muito mais tarde, mas enquanto era jovem só vivia para o trabalho. Só pensava em criar, costurar e ter uma carreira de sucesso.
Aos 88 anos morreu sozinha, numa suite do hotel Ritz...Sim, completamente só. Quando estava prestes a morrer pagou a algumas pessoas para estarem a seu lado a lerem algumas cartas antigas, só para ouvir barulho e sentir que não estava completamente só. Nessa altura, a única companhia que tinha era a da camareira do Ritz, que todos os dias lhe ia dar injecções para as artroses, problema de que sofria muito.
Se não tinha ninguém, a quem doou todo o dinheiro quando morreu?Como não tinha descendentes deixou quase tudo a uma instituição de caridade.
O que a surpreendeu mais na personalidade de Chanel?Que apesar de ser uma pessoa tão bem sucedida na vida, não tinha ninguém a seu lado, que viveu sozinha e morreu sozinha numa suite de luxo do Hotel Ritz, onde passou metade da vida, porque parecia muito chique. Acho que isto diz muito acerca da personalidade de uma pessoa.
Como é que a marca Chanel reagiu ao facto de ter feito uma biografia tão controversa?Já disseram que eles me querem processar, mas não é verdade. Até agora não tive nenhum feedback, mas acho que para eles tudo é publicidade.
Acha que ela hoje se iria identificar com a linha da marca Chanel?Acho que se ela visse isto não se iria identificar propriamente, mas a moda está sempre a mudar e é óbvio que eles teriam de se adaptar aos tempo modernos.
Por que decidiu lançar o livro, em Portugal, no ateliê de Fátima Lopes?Porque me disseram que era uma das mais conehcidas estilistas portuguesas. Já a conheci, vi o espaço e gostei muito de algumas peças que me mostraram, muito arrojadas. Achei que era o local ideal.
É o terceiro livro que lança em Portugal, que ligação tem com o País?Gosto muito de Portugal e guardo as melhores recordações de cá, principalmente quando era criança. Como sou de Santiago de Compostela, vinha a PortugaL várias vezes com os meus pais comprar toalhas, comer bacalhau e passear. Ficávamos normalmente hospedados na Guarda e eram das minhas férias favoritas.
ReflexoO que vê quando se olha ao espelho?Vejo uma mulher de 40 anos, escritora e, neste momento, muito feliz por estar a promover o meu novo livro em Lisboa.
Gosta do que vê?Sim, uns dias mais do que outros, como toda a gente. Mas regra geral gosto.
Alguma vez lhe apeteceu partir o espelho?Muitas vezes, quando vejo que estou a envelhecer e que a minha imagem já não é a mesma de quando tinha 20 anos, mas nunca cheguei a partir nenhum. Afinal, a idade não traz só rugas, mas também muitas coisas interessantes.
Quem gostaria de ver reflectido no espelho?Gosto de ser como sou. Conheço pessoas muito interessantes e que admiro bastante, mas no espelho gosto de ver reflectida apenas a minha imagem, aquilo que verdadeiramente sou.
Pessoa de referência?Os meus pais e o meu marido, por tudo aquilo que significam para mim.
Momento marcante na vida?O nascimento dos meus filhos. Tenho quatro e são a coisa mais maravilhosa da minha vida.
Qualidade e defeito?A minha maior qualidade é a constância e regularidade no trabalho. O principal defeito acho que é ser demasiado impaciente.»
Vidas, Correio da Manhã, 26 de Julho de 2008